O polêmico taiwanês que vai produzir iPads no Brasil

Conheça os planos de Terry Gou, o poderoso CEO da Foxconn, maior fabricante de eletrônicos do mundo, que investirá R$ 20 bilhões no País 

 
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Confira entrevista com o editor de Negócios da IstoÉ DINHEIRO, Ralph Manzoni
Mercadante guarda em seu iPad, Gou mostrou como ficaria a operação brasileira depois dos novos aportes. Maior fabricante de eletrônicos do mundo, com 1,3 milhão de funcionários e presença em 14 países  inclusive o Brasil, onde opera três fábricas  , a Foxconn faturou US$ 100 bilhões em 2010, mais do que Apple e Microsoft, dois ícones do setor, e exporta US$ 86 bilhões.
Sua lista de clientes inclui  nomes como Nokia, Motorola, Samsung, Philips, IBM, Cisco, HP e Dell, mas ganhou fama mundial por ser a fabricante de produtos da Apple. Segundo o ranking da Forbes, a Foxconn é a 13ª maior empresa do mundo. Na terça-feira 12, a presidente Dilma Rousseff encontrou-se com Gou e anunciou o acordo, dizendo que este pode permitir um salto na área de tecnologia da informação no País. 
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Terry Gou: "O Brasil é um bom lugar para investir na produção para o mercado local"
As negociações entre a Foxconn e o governo brasileiro já vinham sendo tocadas há três meses. Os primeiros contatos foram feitos pelo deputado federal William Woo (PSDB-SP).  Técnicos do Ministério de Ciência e Tecnologia chegaram a visitar uma das fábricas da empresa em Shenzen, no sul da China. Mas não tínhamos as definições principais, afirmou Mercadante. Os funcionários da companhia no Brasil nos diziam que todas as decisões são tomadas por Gou.
O ministro havia marcado uma reunião com o presidente da Foxconn, em Brasília, no final de março. O encontro, no entanto, foi adiado por conta do terremoto do Japão, que afetou a cadeia de suprimentos de produtos de alta tecnologia da empresa. Remarcado para a semana passada, durante a visita da presidente Dilma à China, o encontro no qual foi anunciado o investimento da Foxconn acabou se transformando em um dos principais eventos da viagem da comitiva brasileira ao país asiático, que incluiu mais de 20 acordos comerciais nas áreas de aviação, agronegócios, telecomunicações e infraestrutura.
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Em encontro com Dilma Rousseff, em Pequim, Gou prometeu criar 100 mil
empregos diretos no Brasil, sendo 20 mil para engenheiros
De imediato, o plano de investimento da Foxconn provocou duas reações. A primeira delas foi de euforia. O Brasil, finalmente, entrava na rota de investimentos da Apple. Os produtos da empresa americana, como o iPad, iPhone e iPod, além dos computadores e dos notebooks, têm design avançado, mas os preços cobrados no Brasil são muito acima de similares vendidos no País. Com a fabricação local,  devem tornar-se mais acessíveis a uma gama maior de consumidores.
Além disso, o projeto envolve a criação de 100 mil empregos diretos, dos quais 20 mil para engenheiros e 15 mil para técnicos. Logo na sequência, surgiram as dúvidas. Mesmo para uma empresa do porte da Foxconn, US$ 12 bilhões é muito dinheiro. Faltaram também detalhes sobre o projeto e uma confirmação mais enfática da própria Foxconn. 
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Na quarta-feira 13, a empresa divulgou um comunicado vago no qual informa que o Brasil tem um tremendo potencial de desenvolvimento econômico e está estrategicamente posicionado para atender às necessidades dos mercados em crescimento de toda a América Latina. No texto, nem uma palavra sobre os investimentos. Ainda não dá para jogar confete, diz Luis Afonso Lima, presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e Globalização Econômica (Sobeet).
Há casos de anúncios que não se confirmam. O jornal americano The Wall Street Journal relembrou uma declaração de Gou, na qual ele fazia críticas ao Brasil. O salário dos brasileiros é muito alto, disse o empresário, em entrevista publicada em setembro de 2010. Mas os brasileiros, assim que escutam a palavra futebol, param de trabalhar. E tem ainda as danças. É uma loucura ... Nessa conversa, no entanto, o empresário também afirmava que o Brasil é um bom lugar para investir na produção para o mercado local, embora não fosse ideal como base de exportações para os Estados Unidos.
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Apesar do ceticismo de alguns, contêineres com partes e peças do iPad repousam no porão de um navio no Oceano Índico, em direção ao Brasil. Eles devem chegar ao País em 60 dias. É prazo mais do que suficiente para que as autoridades do governo brasileiro possam anunciar um pacote de isenções fiscais para a produção de tablets. Atualmente, esse tipo de equipamento não é classificado como um computador. Se isso for alterado, poderá ter os mesmos benefícios dos PCs e notebooks abaixo de R$ 4 mil.
A expectativa é de que uma medida provisória seja editada no começo de maio para que os tablets tenham isenção fiscal. Com isso, o preço ao consumidor final pode cair 30%, de acordo com a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), entidade que representa as empresas do setor. Se for aprovado, um tablet deve ter o preço aproximado de R$ 1.000, diz Humberto Barbato, presidente da Abinee. Atualmente, mais de 50% do preço de um tablet vendido no Brasil é formado por impostos. 
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Quando o primeiro iPad fabricado no Brasil chegar às lojas em novembro, de acordo com a previsão de Mercadante, vai encontrar um mercado repleto de competidores que já produzem equipamentos similares no País. É o caso da Galaxy Tab, da Samsung, ou o Xoom, da Motorola. A chinesa ZTE também promete lançar o seu até o final de abril. Além dessas empresas, a canadense RIM, que fabrica o BlackBerry, deve trazer o PlayBook para o Brasil.
A paranaense Positivo, maior fabricante de computadores do Brasil, vai entrar nesse mercado no segundo semestre, com um modelo na faixa de R$ 1.000, voltado para o mercado educacional, de acordo com fontes do setor. A Itautec, empresa do grupo Itaú, também já informou que terá o seu modelo até o final do ano (confira o quadro abaixo com os principais modelos já anunciados).
Neste ano, 300 mil tablets devem ser vendidos no Brasil, três vezes mais do que em 2010, segundo estimativa da IDC, consultoria americana especializada em tecnologia. Essa previsão, no entanto, não leva em conta o efeito de uma redução do preço do aparelho decorrente de uma possível isenção fiscal.
É com esse aumento da demanda que a Foxconn conta para produzir o iPad no mercado brasileiro. No projeto apresentado à presidente Dilma, a companhia pretende construir uma cidade inteligente, cuja localização ainda não foi definida, para abrigar a nova fábrica de telas e tablets. Com área residencial, hospitais e escolas, o complexo deve seguir o polêmico modelo da empresa na China.
Lá, a companhia taiwanesa desenvolveu parques industriais e criou uma infraestrutura de moradia para os seus funcionários.  Em 2010, a empresa foi alvo de fortes críticas em relação às condições de trabalho, depois que 17 funcionários se suicidaram, a maioria pulando pela janela dos quartos no complexo industrial Longhua, em Shenzen. Nele, trabalham cerca de 400 mil operários, produzindo smartphones, computadores e videogames.
Para evitar mais tragédias, a empresa instalou redes antissuicídios nos prédios residenciais, aumentou em 30% os salários e iniciou o apoio psicológico aos empregados. Não vi o primeiro, o segundo e o terceiro casos como sérios, disse Gou, em entrevista à revista Blomberg BusinessWeek, em setembro do ano passado. Naquele momento, não me senti responsável, mas hoje me sinto culpado. 
O colosso que Gou administra hoje começou com um empréstimo de US$ 7,5 mil de sua mãe, em 1974. Na época, ele alugou um galpão, em Taipé, no subúrbio chamado de Tucheng, que significa Cidade Suja em mandarim. Com o dinheiro, ele comprou uma máquina para moldar plástico e começou a produzir botões seletores de canais para tevês pretas e brancas.
O primeiro cliente foi uma empresa de Chicago, a Admiral TV. Depois, Gou fez acordos para fornecer para a RCA, Zenith e Philips. Na década de 1980, começou a produzir para a japonesa Atari conectores que uniam o joystick ao console do videogame. Mas ele não estava contente em ser um mero fornecedor de plásticos. Nessa época,  fez sua primeira visita aos EUA, onde peregrinou por 32 Estados, como se fosse um caixeiro viajante, batendo na porta de grandes empresas de tecnologia, como IBM, HP e Apple.
Chegava sempre em um Lincoln Town Car, sedã da Ford, que alugava em cada cidade que visitava. Mas para economizar, em vez de dormir em hotéis, preferia o banco traseiro do carro. De uma família de Shanxi, província do centro-norte da China, o pai de Gou lutou na guerra civil chinesa e fugiu com o general  Chiang Kai-shek para onde hoje é Taiwan, após a vitória das tropas de Mao Tse-Tung. 
Foi casado durante aproximadamente 30 anos. Sua mulher, Serena, morreu de câncer em 2005. Dois anos depois, mais uma tragédia: seu irmão Tony morreu de leucemia. Desde então, ele passou a cultivar mais interesses,  além do portão da fábrica. Gou pratica yoga e passou a se dedicar a YongLi Foundation. Em 2008, casou-se novamente, com Delia Tseng, uma instrutora de dança.
Na conversa com a presidente Dilma Rousseff, Gou disse estar entusiasmado com o Brasil e está reforçando os  investimentos nas economias em desenvolvimento mais dinâmicas do mundo. Acrescentou também que quer estar no Brasil, durante a realização da Copa do Mundo de 2014 e da Olimpíada de 2016. Há também a questão logística, eles queriam um investimento que permitisse criar uma plataforma de exportação para as Américas, afirmou Mercadante. 
Algumas empresas brasileiras já estariam negociando com a Foxconn parceria no investimento. A escolha de um sócio local foi uma condição do governo brasileiro para que seja assegurada a transferência de tecnologia. Um forte candidato é o bilionário Eike Batista, do Grupo EBX. 
No mês que vem, Batista vai se encontrar com representantes da Foxconn na Califórnia, nos EUA. O objetivo é convencê-los a instalar a fábrica no Porto de Açú, complexo industrial que Batisita está construindo no Rio de Janeiro.
Colaboraram Clayton Melo, Denize Bacoccina, Carla Jimenez e Bruno Galo
 Em Jundiaí, indiferença e problemas
A informação de que a Foxconn vai produzir o iPad no Brasil foi tratada com indiferença pelos funcionários da unidade da companhia na cidade de Jundiaí, no interior de São Paulo. Na quarta-feira 13, um dia depois de a notícia correr o mundo, poucos trabalhadores sabiam da novidade. 
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Aqueles que estavam informados não pareciam empolgados. Legal, limitou-se a dizer uma operária, identificada como Maria. Em uma primeira conversa, os empregados se dizem satisfeitos. Depois de alguns minutos de bate-papo, porém, reclamam da infraestrutura, de desrespeitos às leis trabalhistas e das condições de trabalho.
    
Há um ano, a fabricante enfrentou uma paralisação de sete horas dos funcionários. Eles reivindicavam melhorias salariais e o fim da agência, modo como se referem à contratação de funcionários terceirizados, que cumpriam a mesma carga horária, mas não recebiam nenhum benefício. Depois da greve-relâmpago, a Foxconn fez um acordo com o sindicato no qual se comprometeu a contratar os terceirizados com mais de três meses de casa.
A empresa já  havia enfrentado  problemas trabalhistas no Brasil. Em 2007, o Ministério Público do Trabalho flagrou 21 trabalhadores chineses ilegais na fábrica. A companhia foi multada em R$ 56 mil e os funcionários foram deportados. O MPT encontrou também péssimas condições de trabalho no local e 185 funcionários provisórios, que, na verdade, atuavam de modo permanente. Procurada pela reportagem, a Foxconn preferiu não dar entrevista. 
(Rodrigo Caetano)

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